sexta-feira, 26 de abril de 2013

De mais de mil línguas indígenas, só 15% permanecem vivas no Brasil

















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O etimologista e professor da Unicamp, Angel Corbera Mori, fala como é o trabalho de manutenção e registro dos idiomas indígenas


Angel Corbera Mori, etimologista e professor da área de Línguas Indígenas no IEL (Instituto de Estudos da Linguagem) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), fala ao portal Terra da Gente sobre como funciona seu trabalho e como enxerga a questão da valorização da língua indígena no País. Segundo ele, de acordo com um estudo da Universidade de Brasília (UnB), quando da chegada dos portugueses por aqui existiam mais de mil línguas, das quais hoje restam apenas 15%. Praticamente todas as línguas que no período colonial eram faladas nas atuais regiões Nordeste, Sudeste e Sul do Brasil desapareceram. Confira a entrevista abaixo:

TG - O que faz um etimologista? Com quais línguas indígenas o senhor trabalha?
Angel Corbera Mori - Trabalho especificamente com a língua e povo Mehinaku, uma etnia que habita as margens do Rio Curisevo, no Alto Xingu, Parque Nacional do Xingu (MT). Na formação do linguista há disciplinas como as de fonética/fonologia, descrição e análise gramatical. Essa formação recebida permite ao linguista estudar qualquer língua, sem precisar falar ou entender essa língua. Cada língua indígena constitui um sistema de comunicação, como tal tem gramática como qualquer outra língua natural, do contrário os falantes não poderiam se comunicar entre si. Por exemplo, se for pela primeira vez para uma aldeia indígena e essa língua ainda carece de estudos, terei inicialmente que coletar palavras com ajuda dos próprios falantes. Nessa fase inicial todas as palavras serão anotadas em transcrição fonética, constituída de símbolos especiais com base nas letras do alfabeto latino, mas com valores específicos para reproduzir quase “exatamente” a pronunciação do falante nativo.
O senhor trabalha com o povo Mehinaku. Eles têm sofrido exclusão na sociedade atual? Há o risco de a língua deles ser extinta?
Sim, realmente trabalho com esse povo de aproximadamente 270 pessoas, divida em três aldeias: Uyaipiyuku, Utawana, e Uturuá. O povo Mehinaku, como acontece com todas as sociedades indígenas, não é plenamente reconhecido pela sociedade nacional. O direito a saúde e a educação, por exemplo, ainda são muito incipientes. Por outra parte, setores da sociedade nacional como as diversas igrejas, principalmente fundamentalistas, interessam-se pelos povos indígenas, mas para simplesmente convertê-los às suas crenças e fanatismos religiosos, eliminando e mutilando os padrões culturais desses povos.
Como o Brasil lida com a questão das diferentes línguas que tem no território nacional? Valorizamos essa riqueza linguística?
O Brasil, no contexto dos países da América do Sul, é o país onde se concentra a maior diversidade linguística e cultural. Mas a valorização das línguas indígenas pela sociedade nacional, pelo Estado, pelas universidades nacionais e pelos organismos de fomento à pesquisa ainda são muito tênues. Ainda o leigo, e mesmo as pessoas cultas com nível acadêmico de ensino superior, acham que os indígenas falam dialetos ou “gírias”. Chega-se ao absurdo de considerar que uma língua indígena carece de gramática. Sem dúvida, essa visão é etnocentrista. As pessoas acham que só as línguas indo-europeias têm gramáticas.
Há algum movimento, investimento do Estado ou conscientização popular que visa conservar as terras e culturas indígenas ou não temos esta visão no País?
Em 1992, o linguista Michael Krauss lançou um chamado alertando à comunidade internacional que 90% das línguas faladas no mundo estariam em perigo de extinção no século XXI, se não fossem tomadas medidas preventivas. A partir disso, sugiram diversos organismos internacionais preocupados na preservação e documentação dessas línguas ameaçadas antes que elas desapareçam. Na própria Unesco, no Brasil, está em desenvolvimento o “Projeto de Documentação das Línguas Indígenas”, que é dirigido pelo Museu do Índio com apoio da Unesco, Funai e a Fundação Banco do Brasil. O projeto prevê a documentação de 20 línguas indígenas, selecionadas com base nos graus de ameaça de extinção.
Na opinião do senhor, a riqueza das línguas indígenas do Brasil está sendo perdida com o tempo?
De acordo com o Atlas Interativo de Línguas em Perigo (Unesco 2010) o Brasil é o terceiro Pais do mundo com o maior número de línguas ameaçadas de extinção. Assim, das 180 línguas, 45 delas estão catalogadas em situação crítica de extinção. Além disso, o Atlas cataloga 12 línguas indígenas do Brasil consideradas mortas, isso sem considerar os povos indígenas do Nordeste, que já não falam mais a língua indígena. Sem dúvida todas as línguas indígenas estão continuamente submetidas a um processo de extinção, que começou desde a chegada dos europeus portugueses.
O que podemos fazer para valorizar mais essa questão da língua indígena no Brasil?
O Brasil tem que valorizar mais sua riqueza multilíngue e pluricultural, incentivar os alunos desde o ensino básico até no nível superior o respeito e proteção das línguas e culturas originárias. Mostrar para a sociedade que com o desaparecimento das línguas indígenas o País perde uma parte essencial do seu patrimônio intelectual, de sua identidade, de sua memória. É importante que os Programas de inclusão social dos indígenas forneçam condições efetivas para o exercício pleno de seus direitos.

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